Práticas corporais como potência da vida
Terapia Ocupacional e População atendida: pessoas em desvantagem social, em situação de vulnerabilidade, riscos e/ou desfiliação de redes sociais são vividos pelas pessoas atendidas que, em função de problemáticas diversas (físicas, sensoriais, psicológicas, mentais e/ou sociais), não se encaixam num modo de ser e agir aceitos ou compreendidos socialmente.
EXPERIÊNCIAS DO CORPO
(...) pela ação e pelo gesto o homem cria e transforma (SAFRA, 2005) e se contrapõem a serialização e mecanicismo do mundo contemporâneo.
O corpo e um contínuo existencial que se constrói com as experiências: uma corrente de eventos que afeta a produção de corpos e territórios existenciais, que prossegue em nossas vidas. É compreendido como autogenerativo, auto-organizativo, e autorregulado, que capta e produz experiência sensorial organizando as respostas a partir de si mesmo, para saber como se comportar e prosseguir formando uma continuidade de si.(FAVRE,2004)
É no corpo e através dele que percebemos o mundo e nele operamos. Segundo Gil (1997), o corpo escreve no espaço a cada movimento e é superfície de inscrição onde se registram acontecimentos individuais e coletivos; é operador de linguagem, incorporando-a, o que lhe permite ser capaz de elaborar uma linguagem não-verbal e expressar-se com ela.
CAPITALISMO MUNDIAL INTEGRADO (Guatarri)
Podemos observar que as diferentes estratégias capitalistas de organização social nos invadem causando sofrimento, desfiliação, sujeitando as subjetividades, criando modelos que não contemplam as necessidades fundamentais do humano. Nos serviços de atendimento em terapia ocupacional, recebemos populações que expressam este sofrimento na dificuldade em acompanhar os acontecimentos da vida no ritmo imposto socialmente. Os estados de tempo com que convivemos (da Internet, do fast-food) afetam a subjetividade, invadem os princípios organizados do ser, fragmentando-os.
PRÁTICAS DE CONSCIÊNCIA CORPORAL E POTÊNCIA DA VIDA
Criar recursos para enfrentar essas questões e propiciar às pessoas a experimentação de maneiras próprias de ser e viver, através de uma conexão com o corpo vivo, seus ritmos, sensações e observações constituem uma forma de operar os acontecimentos da vida e de se relacionar consigo mesmo, com o outro e com o mundo.
As práticas de consciência corporal, na terapia ocupacional, apresentam-se como potente instrumento de transformação do cotidiano da população atendida, à medida que se tornam experiências do próprio sujeito, propiciam a apropriação de si e instauram uma condição de trabalho que promove a consciência e a criação de um cotidiano e de uma saúde em constante cuidado e produção. Nessas práticas, à medida que as vivências prosseguem, as pessoas se reconhecem como sujeitos de direitos, de responsabilidades, necessidades e desejos, com singularidades expressas a cada momento de vida (CASTRO, 1992).
As práticas de consciência corporal propiciam uma nova presença e possibilitam: “estar consciente da presença do próprio corpo como organismo perceptivo e atento a tudo que nele ocorre” (ALEXANDER, 1983, p.10), provocando mudança nos sujeitos. A sensação consciente proporciona o reconhecimento de si e a (re)descoberta de percepções não captadas ou esquecidas no desenrolar da vida cotidiana, às quais não atentamos em função da mecanização do fazer. Os praticantes podem, então, perceber a sensação corporal que experimentam na atividade e nela se reconhecerem.
No trabalho desenvolvido com as práticas corporais, o sujeito torna-se sensível às ações, ao ambiente, percebe seu corpo, como ele se encontra, suas tensões e cansaços, e aprende como reage ao ambiente e aos acontecimentos da vida, podendo também manejá-los. O tempo de assimilação e experimentação da ação não é ditado, respeita-se o ritmo e os limites individuais.
As atividades grupais de consciência corporal, elaboradas criticamente frente ao contexto acima exposto e conduzidas com cuidado e atenção, podem favorecer que os participantes sejam afetados pelos afetos alegres, aumentando a disponibilidade para encontros naquele mesmo grupo ou em outras redes de sentido – dispara-se uma maior possibilidade de ação subjetiva.
Os trabalhos de consciência corporal abrem espaço para a emergência e a descoberta de modos de existir particular de cada sujeito, pois favorecem o olhar singular para cada existência, possibilitando a afirmação da essência do ser que, segundo Espinosa, se constitui como um direito, apenas pelo fato de existir (DELEUZE, 2002).
As visões formativas, que conectam corpos aos contextos histórico-sociais, apresentam a compreensão de que somos “móteis e pulsáteis”. Assim, formam-se conexões internas e externas que podem ser exercitadas como práticas de si, como exercício para a vida, para o trabalho, para a ação e criação no mundo. Tais conexões consigo mesmo e com outras pessoas e acontecimentos, auxiliam no trabalho de organizar a experiência como uma forma somática, que sustenta e matura a vida, que presentifica ações, cultivando singularidades e um “poder-potência”, como diria Toni Negri com Spinoza, uma potência conectiva (NEGRI e SPINOZA apud FAVRE, 2006, p. 12).
...os trabalhos corporais realizados em grupo promovem uma articulação dos corpos, proporcionam um lugar de interação onde os corpos se transformam e se formam, num processo de investimento no qual se organizam experiências compartilhadas. Nesses encontros vivenciamos outras maneiras de vinculação, mudamos as formas de nos relacionarmos, pois as experiências de contato consigo mesmo e com outros, proporcionada pelas vivências do corpo, tocam novas camadas da experiência de viver. Assim, corporificar (instaurar no corpo) e compartilhar a experiência abrem contatos que favorecem também a criação de novas redes sociais.
Exercício importante, complexo. A intervenção prática, a produção teórica, o ato da escrita a respeito do corpo, a forma de atuação do terapeuta ocupacional são processos constituídos e elaborados gradativamente. O tema, os termos e conceitos estão em constante formulação e são revistos a cada intervenção. Novas denominações surgem, enriquecem e valorizam as práticas de consciência corporal, aqui abordadas numa nova pesquisa conceitual, entendidas como potencializadoras da vida e de novas redes sociais, dispositivo importante nas práticas da terapia ocupacional contemporânea.
Na contramão da alta velocidade, as práticas de consciência corporal permitem que seus praticantes realizem as atividades no tempo que lhes é próprio, mas que desconhecem, porque não o vivenciam no dia-a-dia. Conectar o tempo orgânico e recuperar o ritmo pessoal despertam sentidos e permitem vivenciar inteiramente processos singulares, em geral, imperceptíveis sem o trabalho corporal. Possibilitam uma afirmação da potência da vida como potência de agir e da abertura do modo de ser do sujeito em ser afetado pelas paixões alegres.
CONCLUINDO...
CINTHIA MAYUMI SAITO
ELIANE DIAS DE CASTRO